CARTAS DE UM BEIJA-FLOR.
Segundo Capítulo
O Canalha!
Nosso pequeno escritor, o beija-flor, voava tranquilo pelo bairro.
Quando viu uma janela aberta.
Chamou sua atenção o cheiro de flor, a fome bateu e voou em sua direção, crente que pelo menos um vaso de planta poderia haver no local.
Entrou afoito e viu um solitário homem, que digitava no computador, sem notar sua presença.
Cansado pousou na estante, para ver o que se passava.
O homem atento a tela, pulava de uma página para outra, esmiuçava imagens, as palavras de outras pessoas.
Respondia e perguntava, parecia falar com alguém.
Vez ou outra gargalhava, como se algo fosse engraçado.
O beija-flor ficou intrigado, pois, o homem se ria do que as mulheres escreviam.
Acabara de entrar numa página estranha, onde se passava por um galante paquerador.
Insinuava, escrevia coisas lindas, colocava imagens românticas.
O beija-flor lembrou da dança que alguns pássaros fazem antes do acasalamento, assim impressionavam as fêmeas.
Ficam posudos abaixando e subindo, abrem as asas, rodam, fazem mil piruetas.
Vez ou outra o homem soltava sons estranhos, como Huuuu! Ulalálálá! Hehehehehe!
Uma língua, que beija-flor desconhece.
O ser preparava a própria comida, engolia na frente da máquina, com olhos ávidos na tela.
O tempo passou e o beija-flor adormeceu.
Ao acordar o silêncio imperava.
Onde estaria aquele ser estranho?
Como o dia já raiava, nosso pequeno plumante saiu em busca de néctar.
Intrigado nosso escritor de cartas voltou no início da noite.
Sem ser percebido, se alojou no mesmo canto da estante.
A rotina era a mesma, o homem só levantava para buscar comida e bebida, ria muito do que as mulheres escreviam.
Vez ou outra comentava consigo mesmo o quanto eram chatas e pegajosas.
O beija-flor sentiu algo que lhe apertou o peito!
Mal conseguia respirar, o ar pesado, carregado de maldade, de sarcasmo, faziam mal ao pequeno tão sensível.
Cansado, adormeceu em silêncio, apenas os dedos nervosos na máquina emitiam sons.
O pequenino acordou, e se deu conta que mais uma vez tudo estava vazio, o homem sumira e a claridade do dia já entrava pela janela.
Pensou o bicudo.
_Vou voar pelos locais e procurar o estranho homem…
Decolou e entrou num lugar onde o ser humano fazia suas caquinhas, nada...
_Aqui ele saiu com comida, pensou...
Chamam a isso de cozinha, mas nada...
Enfim entrou onde ele dormia.
Espantado viu que o homem mesmo com o sol raiando, ainda não dormira.
Alojou-se no alto do armário, tentando escutar o que ele balbuciava.
Ria nervoso falando: “idiotas”.
Hora reclamava: “Elas merecem”.
_Farei todas sofrerem...
O pequeno colibri nada entendeu, apurou mais os ouvidos.
Por fim o homem ria e chorava, num misto de loucura e lucidez.
Convulsivamente dizia para si mesmo.
_Sempre sozinho... Sempre sozinho!
Odeio todas elas...
O beija-flor escreveu então sua segunda carta!
_Entrei num ninho que sempre está vazio.
_Sem fêmea, apenas um macho da espécie “canalha” enlouquecido por sua solidão.
Nosso lindo beija-flor nunca voltou ali.
Pesava-lhe o peito, arfava com tanta infelicidade.
Izabel Gonçalves.