O dom de poetar é traçar um diálogo entre mente, mão e papel. Abrir a alma errante, como a um véu. Seguir a rota aérea por onde tudo esvai. Não mentir, dizer apenas o que sente. Na verdade, há que se desnudar e libertar. Poetar é amar-se, conhecer-se, se abraçar às letras, render-se, sem motivos, deixar fluir a sensibilidade do coração. Voar o pássaro que há em você, num céu que vale a pena ler.
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24 de set. de 2020
A Constelação de Leão.
A Constelação de Leão.
Este não é um leão comum, tão pouco rei, passa longe da história do Rei Leão dos cinemas. Essa história começa na África, numa noite de lua cheia, onde os astros se alinharam de uma forma misteriosa, o céu estava iluminando tudo ao seu redor, dando sinais que algo aconteceria com o passar do tempo.
O enorme leão, observava atento aos sons da savana, embaixo de um pé de acácia, como a arborização era escassa, ali seria um bom local de descanso. Levantou sua enorme cabeça para sentir no ar, todo e qualquer cheiro que pudesse lhe avisar do perigo. Sentiu algo diferente, como se as narinas o levassem para bem longe, talvez um passado de sua linhagem.
Ecoavam em sua memória, fatos, visões e pequenas lembranças de seus antepassados. Serenamente ouviu no fundo do seu ser, uma voz que lhe chamava por Anima... não distinguia a pronuncia, se era Anima ou Ânima.
Sentia algo familiar, como um sopro, um ar passando por suas
grandes orelhas, quem sabe uma brisa gelada.
Só podia ser sua avó, a grande e velha mãe, que a todos cuidava para que sua jovem mãe pudesse caçar. Tellus a sábia avó leoa, ensinou tudo a Anima e seus irmãos, foi Tellus que lhe disse a origem do seu nome. Significava exatamente o que sentia nesse momento, “um sopro, um ar, uma brisa”.
Anima começara a lembrar mais forte, a noite gelada lhe
batia na face com memórias de um tempo feliz, continuou a rever a infância.
Viu que Tellus era a terra, aquela que cuidava de tudo, sua avó, por parte de mãe. Seus olhos se iluminaram ao rever a imagem da própria mãe, Vita lhe veio à mente, uma leoa feroz nas lutas por alimento e doce como a vida, por isso o nome maternal Vita, era a origem de Anima, aquela que lhe deu vida. Através do ar, soprado feito brisa em seus pulmões.
Vida... Vita! Princípio vital, alma, algo que não se pode tocar, mas existe, anima e dá ânimo ao corpo do grande leão.
Anima fitava o céu, sentia
um prazer em rever fatos que lhe marcaram fortemente o coração. Num repente
recordou seu pai, que nas práticas de caça, se aborrecia com o erro ao cerco da
vítima, isso custaria fome por vários dias ao bando todo. Com olhar sisudo
chamava o filho de Ânima, cuja entonação destoava e muito do Anima dito por sua
mãe Vita tão carinhosamente.
Soava como um trovão no meio da savana, todos se aquietavam, o medo virava um respeito mortal.
Anima temia ser chamado de Ânima, sabia que ambas as palavras tinham o mesmo significado, mas Ânima era algo mais íntimo e pessoal, atingia o cerne de sua alma, tinha sua origem nos povos Árabes, descendência de seu velho pai. A história passava de boca em boca no bando, onde contavam sobre uma força divina, que animava todos os seres, tanto homens, como animais, tudo o que tivesse alma no mundo. Por um segundo Anima sentiu que em meio aos seus pensamentos mais profundos, algo lhe apareceu na visão periférica, tentou aguçar a visão, mas a perdeu no céu.
Sentia-se sozinho, alguma coisa lhe faltava, não havia constituído família, andava com outros leões remanescentes de bandos desfeitos, alguns morreram de velhos ou de fome, outros foram expulsos. Temia por um fim igual.
Anima escuta dentro do seu ser as mesmas vozes.
_Levante-se, procure!
_Olhe para o céu Anima querido!
Perguntava-se: Acaso a fome estaria me deixando louco?
O que teria no céu, que aqui nessa terra dura, já não tenha de precário para continuar vivo?
Ouviu então o temido trovão.
_Ânima! Erga-se!
_Olhe para o bendito céu!
O grande leão tremeu... Era a voz do pai, o imbatível Rugitus, nome dado ao patriarca do bando por seu rugido extremamente assustador.
_ERGA-SE ÂNIMA, AGORA!
Assustado, sozinho, sentiu-se vulnerável, todos já haviam morrido, o pai, a mãe e a avó, de onde viriam tais vozes? O que queriam?
_Medite Anima, sinta-se um grande leão, passando suavemente entre os longos galhos da acácia, sinta o seu perfume, suas flores tão cheirosas... Sinta o aroma semelhante ao do alcaçuz.
_Observe a noite clara, tão iluminada pela lua cheia, ouça os sons chegando aos seus ouvidos, o viço das folhas tocando em sua juba, o orvalho frio da noite africana te chama a olhar o céu.
_OUÇA ÂNIMA! O grande silêncio clama, olhe o céu estrelado meu filho.
Anima então percebeu uma constelação no límpido céu,
identificou um Leão na formação das estrelas, reconheceu ali o desenho de uma
das mais antigas constelações.
Cintilava Regulus a mais forte, a Alfa de todas, era seu
pai, o imbatível Rugitus.
Logo detectou Zosma, era a sua avó, a sabia Tellus.
Brilhando docemente viu Denébola, sua mãe Vita.
O leão é nada menos do que o leão da Neméia, que faz parte da mitologia grega, tendo sido sua morte um dos doze trabalhos de Hércules.
Anima, estupefato vê um clarão cortar o céu e se acabar por trás da grande e perfumada Acácia. Paralisado vê sair de trás do tronco uma leoa, com a caça ainda entre os dentes. Num gesto de agrado, deposita o alimento frente as patas de Anima.
A vida, (Vita), renasceria, vencendo a fome, a coragem imbatível trouxe o alimento, (Rugitus) e a união da vida e da coragem, resultaram no surgimento da sabedoria. Tellus dava uma nova chance para recomeçar e dar fim a solidão do grande leão.
O céu lhe trouxe Neméia, a grande felina, par de Anima, que passado algum tempo, dessa união, gerou o Leão de Neméia, assim chamado por toda a família dos leões, que na verdade, é conhecido entre os humanos que estudam o céu, como “panthera” e engloba vários felinos de grande porte, como o tigre, o puma, a onça e também o leopardo, seus antigos irmãos da infância.
São eles o verdadeiro símbolo solar, principalmente por conta da cor dourada e da gloriosa juba que é presente nos machos da espécie, às vezes loira, às vezes negra.
A partir daquela noite, a história registrou o poder da hierarquia familiar dos antepassados de Anima, revivendo suas glórias nos descendentes dessa união. Os homens então passaram a esculpir em seus brasões, estandartes monárquicos e militares, a presença dessas criaturas poderosas, como os grifos, as mantícoras, quimeras, esfinges e muito mais.
Agora seriam os representantes supremos de poder.
Astronomicamente falando, a constelação de Leão é grande, uma das maiores. Suas estrelas são brilhantes, e todas elas podem ser vistas como a força, coragem e liderança presentes nos que nascem sob este signo.
O grande leão Anima, então dá seu rugido profundo e assustador, toda vez que é lua cheia e um brilho corta o céu. É Anima marcando seu território!
Dando ALMA a savana.